-- Gosto de trabalhar num ambiente de pura tranquilidade, porque assim posso mergulhar melhor no trabalho que realizo.
E acrescentou, num desabafo natural:-- Ambicionava trabalhar à sombra duma frondosa árvore amiga, num sítio solitário, longe dos bulícios. Mas, impossível!
Ferreira de Castro acrescenta ainda:-- E integro-me de tal forma no trabalho que estou a viver, que me esqueço de tudo e de todos.
E, a propósito, contou-nos um dos mais curiosos pormenores da sua vida laboriosa:-- Uma vez estava a trabalhar num hotel em Nova-Iorque. De súbito, desenrolou-se uma horrível tragédia, um incêndio, cujas labaredas lambiam sofregamente parte do edifício. Minha mulher que estava num quarto ao lado assustou-se e chamou por mim, e disse-me aflitivamente o que se passava. Embora ela falasse comigo muito a sério, eu respondi-lhe automaticamente. Foi necessário ela repetir que havia um incêndio para eu despertar do meu alheamento.
-- Qualquer hora lhe serve para trabalhar?-- Não senhor. Em geral trabalho de manhã, até à hora do almoço. E, de tarde, das 17 ou 18 horas até ao jantar.
-- Mas prefere trabalhar a determinada hora?-- Sim. Coisas de especulação intelectual prefiro fazê-las de manhã. Coisas quentes, como direi, sensuais, de tarde. Porque de tarde há mais voluptuosidade.
-- Por vezes não se sente incapacitado para o trabalho intelectual?-- Muitas vezes se não se está incapacitado, não se está em estado propício.
-- Possui ficheiro?-- Não. Não possuo.
-- Tem método no trabalho?-- Tanto quanto possível. O trabalho intelectual, como sabe, não pode ser feito com a rigidez de outros trabalhos.
-- Escreve à máquina?-- Não. À mão. Mando dactilografar e depois revejo. Em seguida, torno a corrigir duas, três e mais vezes.
-- Claro que fica a forma definitiva?-- Nalgumas páginas, sim. Mas em muitas outras ocasiões essas provas são ainda corrigidas.
estimulantes para escrever? Ferreira de Castro sorveu um gole de café e depois de avivar o cigarro que pendia dos lábios, respondeu-nos:-- Sim. Café e cigarros.
-- Prefere o campo para o seu trabalho?-- Sim, sempre o Campo. Mas, infelizmente, é quase sempre na Cidade que construo o trabalho.
-- Prefere poesia ou prosa?-- Gosto das duas coisas. Para eu escrever, o romance; para eu ler, a filosofia.
-- Já alguma vez escreveu para o teatro?-- Quando tinha vinte anos fiz algumas tentativas para esse fim, mas depois desisti disso.
Foi com estas palavras que a conversa se encerrou.-- Tenha paciência, vou a o meu trabalhinho. É o meu pão-nosso de cada dia.
Apertou-nos a mão e seguiu lentamente a Avenida da Liberdade.