Centro de Estudos Ferreira de Castro

Entrevista de A. Lopes de Oliveira a Ferreira de Castro

Na «Pastelaria Veneza», à Avenida da Liberdade, costumam reunir-se alguns homens de letras e jornalistas. Entre eles avulta Ferreira de Castro -- o escritor português cujos romances estão dando a volta ao Mundo.
Quem veja a figura desafectada de Ferreira de Castro, não adivinhará, por certo, que ela oculta na sua modéstia, simpática e afectuosa, um prosador de garra e um novelista de renome, já hoje, universal.
Pois foi ali, na «Veneza», que nós, naquela tarde, encontrámos o escritor. Nesse dia, estava sozinho, tirando longas fumaças do seu cigarro, com o olhar perdido -- quem sabe? -- nas recordações da floresta amazónica.
Sentámo-nos, junto dele, e conseguimos distraí-lo e trazê-lo às realidades da vida europeia.
Ferreira de Castro evocou-nos alguns episódios da sua aventurosa vida, através do mundo, e, foi depois disto, que a entrevista surgiu naturalmente, como a propósito da conversa que ele mesmo trouxera à baila.
Perguntámos-lhe então:

-- Como trabalha?
A resposta não se fez esperar. Ferreira de Castro poisou a chávena de café e, tirando uma longa fumaça, disse-nos:

-- Gosto de trabalhar num ambiente de pura tranquilidade, porque assim posso mergulhar melhor no trabalho que realizo.

E acrescentou, num desabafo natural:

-- Ambicionava trabalhar à sombra duma frondosa árvore amiga, num sítio solitário, longe dos bulícios. Mas, impossível!

Ferreira de Castro acrescenta ainda:

-- E integro-me de tal forma no trabalho que estou a viver, que me esqueço de tudo e de todos.

E, a propósito, contou-nos um dos mais curiosos pormenores da sua vida laboriosa:

-- Uma vez estava a trabalhar num hotel em Nova-Iorque. De súbito, desenrolou-se uma horrível tragédia, um incêndio, cujas labaredas lambiam sofregamente parte do edifício. Minha mulher que estava num quarto ao lado assustou-se e chamou por mim, e disse-me aflitivamente o que se passava. Embora ela falasse comigo muito a sério, eu respondi-lhe automaticamente. Foi necessário ela repetir que havia um incêndio para eu despertar do meu alheamento.

-- Qualquer hora lhe serve para trabalhar?

-- Não senhor. Em geral trabalho de manhã, até à hora do almoço. E, de tarde, das 17 ou 18 horas até ao jantar.

-- Mas prefere trabalhar a determinada hora?

-- Sim. Coisas de especulação intelectual prefiro fazê-las de manhã. Coisas quentes, como direi, sensuais, de tarde. Porque de tarde há mais voluptuosidade.

-- Por vezes não se sente incapacitado para o trabalho intelectual?

-- Muitas vezes se não se está incapacitado, não se está em estado propício.

-- Possui ficheiro?

-- Não. Não possuo.

-- Tem método no trabalho?

-- Tanto quanto possível. O trabalho intelectual, como sabe, não pode ser feito com a rigidez de outros trabalhos.

-- Escreve à máquina?

-- Não. À mão. Mando dactilografar e depois revejo. Em seguida, torno a corrigir duas, três e mais vezes.

-- Claro que fica a forma definitiva?

-- Nalgumas páginas, sim. Mas em muitas outras ocasiões essas provas são ainda corrigidas.

estimulantes para escrever? Ferreira de Castro sorveu um gole de café e depois de avivar o cigarro que pendia dos lábios, respondeu-nos:

-- Sim. Café e cigarros.

-- Prefere o campo para o seu trabalho?

-- Sim, sempre o Campo. Mas, infelizmente, é quase sempre na Cidade que construo o trabalho.

-- Prefere poesia ou prosa?

-- Gosto das duas coisas. Para eu escrever, o romance; para eu ler, a filosofia.

-- Já alguma vez escreveu para o teatro?

-- Quando tinha vinte anos fiz algumas tentativas para esse fim, mas depois desisti disso.

Foi com estas palavras que a conversa se encerrou.
Eram 6 horas da tarde: tinha chegado o momento para Ferreira de Castro realizar o seu trabalho quotidiano. Puxou pelo relógio, viu a hora e disse-nos:

-- Tenha paciência, vou a o meu trabalhinho. É o meu pão-nosso de cada dia.

Apertou-nos a mão e seguiu lentamente a Avenida da Liberdade.

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