Senhor de grande fama no jornalismo brasileiro, decide, entretanto e após o intenso contacto com os seus compatriotas lhe ter feito renascer as saudades da pátria, regressar a Portugal a 9 de Setembro de 1919 com, apenas, quatrocentos escudos no bolso.
Em Lisboa decide fazer carreira no jornalismo e nas letras, sem nenhuma recomendação ou apoio seguro, confiado apenas nas suas possibilidades, na sua coragem e no ideal de unir emigrantes portugueses e brasileiros para, juntos, lutarem pela paz, justiça e progresso. O êxito obtido no Pará é totalmente ignorado em Portugal. Vive períodos de absoluta miséria e passa dias inteiros sem comer quando reinicia a sua dupla faina de repórter e escritor; escrevia três e quatro artigos por dia e uma novela diária para “A Pátria”. Com o semanário ilustrado “A B C”, Ferreira de Castro procedia ao contrário da lógica: forneciam-lhe as fotos e ele, com a sua pujante imaginação, abrilhantava-as com um artigo. Em 1925 é admitido como sócio do Sindicato dos Profissionais da Imprensa de Lisboa. Um ano depois é eleito presidente da direcção, onde criou um prémio literário, cujo plano foi por unanimidade aprovado. Teve, entretanto, algumas desinteligências com os seus camaradas, sobre a forma de protesto, contra a instauração da censura que pretendia mais enérgica. Decidiu, em 1934, abandonar o jornalismo, devido à censura prévia nos tempos difíceis da ditadura. Mais tarde afirma que «(...) a censura tem, porém, uma virtude: é demonstrar-nos o quanto vale ser um homem livre, um povo livre!» (Mensagem [1946])
Publica, em 1928, o romance Emigrantes e A Selva em 1930, acompanhadas de estrondoso êxito nacional e além fronteiras onde a literatura portuguesa pouca expressão tinha. No dia 20 de Junho de 1953, uma centena de intelectuais entregou ao escritor na sua residência, a Mensagem Nacional a Ferreira de Castro, subscrita por muitos milhares de pessoas de todo o país e das mais distintas condições sociais, onde, sobre os vinte e cinco anos da publicação de Emigrantes se refere que «(...) É uma data a assinalar na evocação do escritor e na História das Letras, porque esse livro não marca apenas o início duma fase definitiva na obra do romancista, corresponde também ao despontar de uma nova noção do humano em literatura. Trazendo o povo a um primeiro plano, não como simples motivo literário, mas como elemento vivo, autentico, com os seus sonhos suas lutas e derrotas, Ferreira de Castro ultrapassou processos consagrados, seguindo outros caminhos. Criou um género humano de romances em que a realidade e a emoção se fundem numa expressão ao mesmo tempo forte e plena de simpatia humana, simpatia que é uma das suas características fundamentais. (...) [A obra de Ferreira de Castro] (...) não pode ser apreciada segundo o critério que limita os processos de construção do romance a determinados padrões. Ao seu grande valor literário equivale o seu enorme valor humano. Dotado duma expressão literária de emotiva comunicabilidade e porque traduz os anseios, as lutas e dores do Homem, acicatado pela necessidade de pão e de amor, a Obra de Ferreira de Castro é entendida por todos os homens. (...) não é possível separar-se Ferreira de Castro da sua Obra, com a qual ele realiza uma unidade indestrutível. Todos aqueles que conhecem Ferreira de Castro sabem que a piedade humana, que vibra em cada uma das suas páginas, não é um simples processo literário e muito menos um artifício do seu talento de escritor; esse mesmo amor e compreensão vivem no romancista, são a sua força, a sua riqueza e tormento, o traço mais fundo na sua personalidade, são ele mesmo, debruçado sobre a dor do Mundo. Dificilmente se encontrará outro escritor cuja obra seja, tão fielmente, a expressão da sua própria alma.
(...) se a vida amadureceu o seu talento e experiência, se os seus traços fisionómicos se vincaram, se o sofrimento o marcou indelevelmente – a sua fisionomia moral mantém-se inalterável. É ainda a mesma a sua humildade perante a tragédia da condição humana, a solidariedade com todos os oprimidos e a revolta contra todas as violências e injustiças.
Isto não é secundário. Tem, pelo contrário, um significado considerável porque corresponde a uma sinceridade total que não é, decerto, o menor valor da sua Obra, a par de tudo quanto a coloca, entre aquelas que prevalecerão sobre o tempo, sobre escolas e critérios parciais. (...) De todos os países onde a sua obra é lida nos chegam, constantemente, demonstrações da mais veemente admiração. A crítica francesa, por exemplo, consagrou-o como um dos nomes mais prestigiosos da literatura mundial. (...)» (In, Ferreira de Castro, A Obra e O Homem, por Jaime Brasil – Editora Arcádia, Lisboa, 1961)
O crítico literário Álvaro Salema, em artigo publicado no jornal O Comércio do Porto, de 12 de Maio de 1953, afirma, sobre o autor de Terra Fria, que «(...) Os seus livros não são apenas uma expressão do mundo em que vivemos, entre inquietações e esperanças: são também uma força da existência a construir – da existência que desejamos mais generosa, mais humana e mais humanamente criadora. A publicação de Emigrantes, em 1928, fixou uma data na história literária portuguesa, que é também um ponto de partida decisivo. (...) Ferreira de Castro desvendou com Emigrantes e logo a seguir com A Selva, um novo roteiro para a criação literária no romance, na novela e no conto (...)».
Em artigo intitulado «Belas Letras», o professor universitário, publicista e mestre da língua portuguesa, Dr. Agostinho de Campos escreve, no jornal O Comércio do Porto, de 26 de Junho de 1934, que reconhece a influência de Ferreira de Castro na literatura portuguesa, como mestre de todos os escritores do seu tempo. Ferreira de Castro «(...) rapidamente elevado, e só pelo próprio valor, à categoria de novelista dos melhores da nossa língua em todos os tempos – em breve acharemos (...) um conjunto de altas qualidades, que se reúnem sem se desequilibrar. (...) Imaginação e penetração psicológica; simpatia humana, que leva o romancista a procurar assuntos humanos, isto é: denunciadores quase sempre da desumanidade dos homens; bom gosto e bom senso; poder descritivo feito, como sempre e em partes iguais, da capacidade de observação analítica ou panorâmica, e de fecunda ilusão literária; (...) aproveitamento discreto da fórmula do estudo objectivo dos ambientes, tão abusivamente exagerada por certos naturalistas; (...). O Dr. Agostinho de Campos termina este artigo com a certeza de que (...) as nossas letras devem-lhe muito, porque não pode duvidar-se, cremos bem sinceramente, de que muitos portugueses o hão-de ler amanhã, e depois, e depois...»
O Dr. Richard Bermann após ter lido, no Brasil, A Selva, escreve um artigo sobre o romance no então maior jornal da Alemanha, o Berliner Tageblatt, que, de imediato, cinco editores germânicos se lhe dirigiram solicitando-lhe o endereço do autor. Ferreira de Castro e a literatura portuguesa em muito devem a sua expansão e atenção da crítica internacional, ao tradutor d’A Selva para Alemão. Este escritor, médico austríaco, que usava o nome literário de Arnold Hoellriegel, em 1932 escreve no prefácio da tradução alemã da mais emblemática obra do nosso autor : «Falo com conhecimento. Contornei a Selva amazónica, de passeio. O que está por detrás dessa verde cortina, isso nunca o turista o vê. (...) Até o investigador que acompanha uma expedição perfeita (...), traz vulgarmente apenas notícias pessoais, nada agradáveis: febres, onças, tempestades, mosquitos... Pode até ter visto meia dúzia de nativos nus! As pessoas que vivem, de verdade, na desconhecida selva sul-americana, não falam, não contam. São inarticuladas. São índios, negros, mestiços, tristes e primitivos nativos, aos quais não é dada a palavra. (...).
Na minha volta pelo interior do Amazonas, caiu-me nas mãos, por acaso, um livro português que finalmente quebra o silêncio sobre a selva verde. E tudo, afinal, é possível, até aparecer um dia, dentro da grande massa de seringueiros, um poeta, um romancista, um investigador. (...) O que descreve no seu romance A Selva, tudo isso ele viveu. E aconteceu o que parecia pouco provável, quase impossível: dum momento para o outro, conseguiu libertar-se do Inferno Verde. Tornou-se escritor, tornou-se o mais moderno e maior poeta-romancista do Portugal de hoje. Muitos estudaram na clássica Coimbra e escreveram lindas palavras; este é um autodidacta. (...) Neste romance, Ferreira de Castro não descreve somente o inferno dos pesquisadores da borracha de uma forma para sempre inolvidável, mas também a majestosa natureza da floresta virgem, em toda a sua trágica beleza. Na sua obra, a selva do Amazonas foi vista, pela primeira vez, por um homem que não viajou, mas que viveu dentro dela própria. Este romance de Ferreira de Castro tanto me prendeu que eu desejei traduzi-lo imediatamente para alemão. (...)».
Num tempo em que a literatura portuguesa não tinha absolutamente importância nenhuma nos meios editoriais internacionais, Fraga Lamares, primeiro editor d’A Selva, recebe, datado de 12 de Agosto de 1930, escassos três meses após ter sido dada à estampa, um pedido de autorização da Editorial B. Bauza, de Barcelona, para publicar em castelhano esta obra. Quando A Selva é publicada em francês pela Grasset, onde, ainda hoje, no sec. XXl, saem sucessivamente as suas reedições, com tradução, em 1938, do poeta franco-suíço, Blaise Cendrars, já este romance era lido, graças à publicação alemã, em catorze línguas. Apesar do crédito quase nulo da língua portuguesa no meio literário internacional, durante décadas ininterruptas Ferreira de Castro, continuamente traduzido e publicado numa grande diversidade de países, dignificava a literatura nacional. Alguns críticos e colunistas internacionais, lastimavam que o autor d’A Volta ao Mundo escrevesse em português, como este artigo no «New York Herald Tribune», em 3 de Fevereiro de 1935: «É lamentável que um escritor de tanto poder e originalidade como o Senhor Ferreira de Castro, precise de utilizar, como meio de expressão, uma língua que, por ser tão pouco conhecida, priva a maior parte do mundo do prazer de ler Jungle na versão original.»
(In, Ferreira de Castro, A Obra e O Homem, por Jaime Brasil – Editora Arcádia, Lisboa, 1961).
Vitorino Nemésio, no In Memoriam de Ferreira de Castro, presta tributo à «(...) celebridade mundial de Ferreira de Castro, inegavelmente a maior da literatura portuguesa moderna (...). Confesso o meu pecado, nesse tempo, de certa atenção distraída que eu dava à obra do amigo. Éramos muito diferentes em gosto estilístico, embora com grandes afinidades de feitios. Relações pessoais sempre sem uma nuvem: contactos literários menos perfeitos, raros. Ele era muito mais generoso do que eu. Mandava-me pontualmente, nos últimos tempos, os seus livros. Não me regateava palavras de um pouco perdulário apreço. (...)».
Alguns escritores declararam-se influenciados pela escrita do nosso autor. Agustina Bessa-Luís, em artigo publicado no Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro, afirma: Quando eu li A Selva eu tinha dezasseis anos. (...) pareceu-me uma obra-prima, a obra de alguém que tivera experiência sem perder uma nobre ciência da juventude, que é a esperança. Eu disse para mim: «Também escreverei; em breve escrevo um livro». Não sei de maior força que possa ter um autor do que esse impulso que toca o espírito dos criadores obscuros, que nele encontram revelação e uma espécie de protecção à sua vontade e ao seu ermo.(...).
A criação de uma associação que defendesse a classe era uma aspiração muito antiga, que ganhou maior consistência e forma com uma carta-circular, assinada por Aquilino Ribeiro e Ferreira de Castro, datada de 30 de Abril de 1954, enviada «a todos os escritores de que se conheciam os endereços». A Sociedade Portuguesa de Escritores seria homologada por despacho ministerial de 4 de Julho de 1956. Ferreira de Castro é eleito presidente da Direcção em 1962, cargo que ocupa durante dois anos.
(In, Ferreira de Castro / Roberto Nobre, Correspondência, por Ricardo António Alves, Editorial Notícias – Câmara Municipal de Sintra)
Oscar Lopes em 1960, em A Epopeia Popular na Obra de Ferreira de Castro, refere que a obra do autor de Terra Fria, «(...) não reflecte ou ilumina a consciência efémera e superficial de uma corrente, uma academia, uma arcádia, um botequim do século XIX, um salão ou um café de hoje. A maturidade da obra de Ferreira de Castro corresponde a uma maturidade iminente na consciência do Povo Português.»
Ferreira de Castro foi, por diversas vezes, proposto para o Prémio Nobel e por outras recusou sê-lo, em detrimento de outros escritores portugueses. Ao tomar conhecimento, através da publicação num jornal, que a Sociedade Portuguesa de Escritores pretendia propô-lo, em conjunto com Aquilino Ribeiro e Miguel Torga, veio a público dizer que «(...) não pretendo ser candidato, pois não desejo estabelecer qualquer concorrência, por insignificante que fosse, com aqueles meus dois ilustres camaradas de letras, cujas obras tanto admiro.(...)».
(In, Ferreira de Castro, A Obra e o Homem, por Jaime Brasil – Editora Arcádia, Lisboa, 1961)
O catedrático dinamarquês de literatura, Prof. Holger Sten, da Universidade de Copenhaga, em 1951 propõe Ferreira de Castro ao tão almejado prémio da academia sueca e, ainda, em 1968, a União Brasileira de Escritores propõe o autor de O Instinto Supremo e Jorge Amado. Entre inúmeras distinções, destacamos o Prémio Águia de Oiro de Nice, atribuído por unanimidade na sua primeira edição; ainda com Jorge Amado recebe o Prémio da Latinidade em 1971. Com o valor pecuniário destes dois prémios, compra, em frente à casa onde nasceu, terreno e manda construir a Biblioteca de Ossela: «(...) quando em 1970 e 1971, me concederam em França dois prémios literários, decidi imediatamente, decidi romanticamente pois não sou rico, edificar uma biblioteca em Ossela, ao seu povo destinada. (...) pretendia doar essa biblioteca e todo o seu recheio ao Município de Oliveira de Azeméis (...). Presentemente, a biblioteca possue como se vê nesses documentos, cerca de seis mil volumes. (...)».
(In, Centenário do Nascimento de Ferreira de Castro – Prof. Doutor Pedro Calheiros – Câmara Municipal de Aveiro.)
Um grupo de intelectuais democratas convida-o a apresentar a candidatura às eleições presidenciais de 1958. Declina o convite, afirmando não ter as condições necessárias para exercer o cargo.
Desde sempre opositor do Estado Novo, lutou, com as armas do intelecto, pelas liberdades banidas, pela justiça social, pela dignidade e emancipação do Homem. Apoiante incontestável da candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República. Em 1949, o romancista escreve na «Mensagem» que tornou pública: «Há vinte anos que os cidadãos, na sua maioria, vivem com receio e isso dá-lhes uma permanente sensação de falta de segurança individual. Eles vivem sob o silêncio que lhes é imposto e, como consequência, sob o silêncio que eles impõem a si próprios. Eles temem as suas próprias palavras, não vão ser elas ouvidas e mal interpretadas (...). Eles vêem em todo o compatriota que não conhecem um possível inimigo – um homem que lhes pode fazer mal. Eles desconfiam de tudo, até dos mendigos, algumas vezes até dos parentes, até da sua própria sombra. Eu não sou político, eu não quero nada, absolutamente nada, da política. Eu não desejo ser senão o modesto escritor que tenho sido – mas desejo sê-lo livremente. E se falo de mim não é porque me considere com muita importância, mas apenas para dizer que sei, por mim próprio, pelas limitações que tenho sofrido à minha vida intelectual, quanto foi sacrificada até agora, por este regime que nos oprime, a minha geração e as gerações vizinhas da minha.»
(In, 100 Cartas a Ferreira de Castro, Ricardo António Alves, Câmara Municipal de Sintra, 1992)
O escritor morre em 1974, a 29 de Junho, após acidente cardiovascular no dia 5 do mesmo mês. A 31 de Maio do ano seguinte é sepultado, a seu pedido, na Serra de Sintra. «(...) Tendo escrito a maior parte da minha obra em Sintra, onde tanto sonhei e trabalhei, eu desejaria ficar ali para sempre (...). Desejaria ficar sepultado à beira duma dessas poéticas veredas que dão acesso ao Castelo dos Mouros (...). Ficar perto dos homens, meus irmãos, e mais próximo da lua e das estrelas, minhas amigas, tendo em frente a terra verde e o mar a perder de vista – o mar e a terra que tanto amei. (...)».
(De, Carta às Autoridades de Lisboa e Sintra, In Memoriam de Ferreira de Castro - Adelino Vieira Neves, Cascais – 1976)
José Gomes Ferreira, Presidente da Associação Portuguesa de Escritores, nas palavras que proferiu no funeral do escritor, testemunhou: «Quando há meio século entramos no túnel de onde só saímos a 25 de Abril, sempre o vi a favor dos humilhados contra os ofensores, dos inocentes contra os carrascos, dos ofendidos contra os tiranos e nessa ocasião – juro-vos – que ser presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores – lugar que ocupou – não era tão fácil como ser Presidente da actual Associação Portuguesa de Escritores em que o perfume a cravos substituiu o cheiro a sangue. A última vez que encontrei Ferreira de Castro foi na festa do 1º de Maio a gritar connosco: «Escrever é lutar! Escrever é lutar!» (...) Olhámos um para o outro. Estávamos velhos, mas contentes, por ver tanto escritor jovem ao nosso lado, a gritar com mais vibração do que a nossa voz já débil mas não vencida. E por pouco não desatámos os dois para ali a chorar com a alegria que só os velhos sabem sentir. (...)». (ibidem)